sábado, 21 de novembro de 2009

Fiz esse blog no intuito de expor coisas relacionadas à academia e à produção que ocorre nesse meio meio chocho, mas que pode se tornar algo muito potente e forte. Na maior modéstia possível, vou colocar aqui o texto que apresentei na Jornadinha interna do IFCS, e na JIC da UFRJ. Quando tiver com outros trabalhos em mão, desde trabalhos meus e de amigos, eles estarão postados aqui o mais rápido possível. É isso. Crítica: por favor, façam. A intenção do blog é essa mesmo, ser um espaço de desconstrução, mas principalmente de construção de pensamentos.

O Capitalismo Cognitivo em debate

''O 'Capitalismo Cognitivo' é a crise do capitalismo em seu sentido mais estrito''
André Gorz, 'O imaterial'.



Apresentação


Para alguns pensadores de nosso tempo, o final do século XX nos proporciona a constatacao da crise do fordismo como modo de producao do capitalismo e o surgimento de uma nova forma de valorizacao do capital, que alguns irao chamar de Capitalismo Cognitivo. A ideia principal desa corrente defende é que apos um periodo de transicao, marcado principalmente por crises profundas e reordenamento do sistema produtivo capitalista, este entao passa a se assentar sobre bases diferentes, sobre logicas de funcionamento que nao podem mais ser explicadas sob a egide dos conceitos da economia politica classica. O surgimento das NTIC nessa epoca (que vai do final dos anos 60 ate meados da decada de 90) possibilitou e hoje possibilita, ainda segundo eles, essa nova forma de organizacao produtiva: a formacao de redes de redes; a sempre intensa construcao de vias de comunicacao entre agentes inumeraveis, transformando a relacao entre os produtores e consumidores uma relacao de retroação. Assim sendo, algumas classificacoes devem ser problematizadas, e a criacao de um espaco, a criacao de novas malhas sociais (onde se dá a producao de conhecimento e valor de uso) fora do ambiente opressor do mercado e do controle empresarial. Esse novo espaço, para alguns deles, é visto como uma nova possibilidade politica e de producao do social fora da producao capitalista.
O conhecimento entao surge como a 'nova mercadoria' nessa nova estruturacao do capitalismo. Aquele nunca deixou de possuir uma relacao com o capital de forma a valoriza-lo, como acontecia na fabrica marxista, em que o conhecimento entendido como conjunto acumulado de saberes codificados 'incorporados' nas maquinas, ou seja, tecnologia empregada na linha de producao. Entretanto, no Capitalismo Cognitivo, o conhecimento se comporta como forca motriz da producao, e a propria producao se torna dependente deste item. O conhecimento no Capitalismo Cognitivo é o conhecimento em transito, só existe quando existe nas redes sociais extensas que o produzem.
Dentro desse novo cenario visto por Moulier-Boutang como "a Nova Grande Transformacao" (alusao à obra do economista Karl Polanyi), a nova mercadoria se torna entao problematica dentro do curso de acumulacao e circulacao. Isso porque com a valorizacao baseada na producao social de conhecimento, de saberes socias; as empresas externalizando seus instrumentos para fora de seu terreno para tentar incorporar essa producao que se dá fora dele; nao é dificil perceber que o Capitalismo Cognitivo entao se funda numa crise, num conflito extremamente tenso entre a producao existente no exterior da empresa possibilitada pelas NTIC, pela crise do fordismo, e a tentativa do capital de englobar essa producao, de transformar essa producao que a principio nao possui valor de troca e so' existe enquanto movimento dentro das redes, como producao conti'nua e inovativa de conhecimentos sociais, contrária à producao empresarial baseada na reproducao de produtos comercializaveis. Os direitos de propriedade intelectual exibem claramente esse conflito, em que as grandes industrias de audio-visual, editorial, dentre outras que vendem a mercadoria-conhecimento, quando agem judicialmente contra os ditos 'piratas', promovendo a publicidade moralmente negativa relativa a esse movimento de apropriacao, copia e circulacao dos produtos-conhecimento.
O que tentarei explicar aqui é essa relacao conflituosa entre a producao social de saberes que somente possuem valores de uso, valores em si, e que so' fazem efeito quando estao em movimento no interior da sociedade, nas suas redes comunicacionais flexiveis, que possibilitam a constante invencao e reinvencao de formas de relacionamento social e producao de novas formas de vida; e o movimento de exteriorizacao do capital que tenta de todas as formas controlar esse movimento, essa pulsacao existente no seio do espaco social, quando atraves de seus instrumentos coercitivos (coercao consentida), constrangedores de producoes de si que nao estejam dentro de seu sistema, tentam englobar qualquer forma de vida possivel.


Conhecimento, a nova mercadoria

    O conhecimento, essa forma vaga de determinar todo o conjunto simbolico produzido e acumulado de diversas formas, seja no seio da sociedade, seja pelo capital em forma de controle do mesmo, sempre participou de forma ativa na modo de producao capitalista. Entretanto, entrevê-se hoje uma nova forma de atuacao daquele na producao, e consequentes mudancas na circulacao e consumo. O conhecimento, na hipótese do Capitalismo Cognitivo é a forca motriz da producao, sendo o principal fator de valorizacao do capital.
Para Corsani, “os conhecimentos produzidos e valorizados no capitalismo cognitivo são, de maneira inextricável, conhecimentos cietíficos, técnicos, artírticos, ideológicos' e são 'irredutíveis a conhecimentos tecnológicos” (CORSANI).
    Como dito anteriormente, o conhecimento é resultado de processos sociais, e o trânsito na malha social é a condição de sua existência. O conhecimento só existe quando é socializado, quando se encontra em movimento. Sendo assim, quanto mais socializado, quanto mais compartilhado, ele se torna cada vez mais pulsante e inovante. Com o surgimento das NTICs (novas tecnologias de informação e conhecimento) o trânsito e a circulação de conhecimento e informação eleva-se de forma drástica, tendo como exemplo vias de comunicação em tempo real (Orkut, MSN, Facebook, Blogs, etc.) através de códigos e símbolos cotidianos, além de softwares que permitem o compartilhamento de arquivos digitais, que na maior parte das vezes compreende arquivos chamados 'pirateados', que quebram com direitos de propriedade intelectual (sobre os quais falarei mais a frente). As NTICs então possibilitam um novo tipo de producao do conhecimento, pois na criação de redes de redes o producao de conhecimento incentiva mais ainda a producao dele. É um ciclo virtuoso.
NTICs são, por assim dizer, metamáquinas (CORSANI). Seu uso não é prédefinido, isto é, os usuários das NTICs criam usos com objetivos variados de acordo com a necessidade, possibilitados pela maleabilidade, flexibilidade das novas tecnologias. Assim, o conhecimento é produzido de forma mais 'solta', criando-se usos e disposições que não são anterirormente ditadas por uma hierarquia de usos e necessidades.
    As NTICs conferem "forma à potência criativa da cooperação social que, por sua vez, não pode ser submetida à disciplina da fábrica nem ficar fechada na empresa e submetida a seu controle hierárquico"(CORSANI). Elas então seriam potencializadoras dessa cooperação, seriam "como assistentes cognitivos e relacionais" (JOLLIVET), que dão a forma e contribuem para a mais intensa produção de conhecimentos no exterior da empresa, mas ela sozinha não consegue fazer nada, ela é apenas um instrumento (muito eficiente) que não produz redes no vazio.
    Conforme uma característica do conhecimento, exposta numa releitura que Lazzarato faz da obra de Gabriel Tarde, ele não pode ser exaurido, não é escasso. Quando uma informação é produzida e colocada em circulação, o emissor desta não fica despossuído da mesma, tendo sua posse tanto o receptor da informação quanto o emissor. Essa característica torna o uso da teoria da economia politica classica incoerente nesses termos, pois a valorizaçao do produto no capitalismo de tipo fordista se dá a partir da escassez produzida pelo controle da linha de produçao e da circulacao. Conforme Corsani, "desincorporados de qualquer suporte material, os conhecimentos desequilibram as teorias do valor, tanto a marxista quanto a neoclássica, recolocando o problema de sua valorização, pois, em virtude mesmo de sua desincorporaçao, eles podem ser reproduzidos, trocados, utilizados separadamante do capital e do trabalho"(CORSANI).
A principio, o conhecimento produzido nas redes sociais de informação não pode ser controlado pelo capital com a intenção de vendê-lo no mercado. Entretanto aquele irá lançar mão de artifícios de controle sobre a produção de parte do conhecimento com a imposição de direitos de propriedade intelectual, que são leis protecionistas que impedem a livre circulação do conhecimento. As leis de direito autoral produzem artificialmente a escassez necessária à perpetuação do modo fordista de produção: baseada na reprodução. O capital procede então uma captura desses conhecimentos para colocá-los dentro do processo de produção capitalista clássico, baseado no controle hierarquizado tanto interno (trabalhadores) quanto externo (consumidores). Tenta através desses instrumentos escapar da incerteza produzida pela quase impossibilidade de medida do valor de troca do conhecimento, quebra produzida pela característica não escassa deles.(RULLANI) 
    O que interessa agora é a produção do novo. A valorização da mercadoria nessa nova fase se dá pela construção da novidade constante, o produto só se distingue de outro de outra marca porque é 'melhor', traz uma 'novidade' embutida na sua materialidade. Nesse sentido, a propaganda se torna cada vez mais importante para a valorização do produto. A marca se torna o fator de valorização principal. A propaganda/marca é o intrumento maior da empresa, que age como um captador de intuições e valores difundidas implícitamente no terreno social, e usa essas informações e conhecimentos como forma de provocar identificação por parte do consumidor nos produtos de sua marca, cria imagens massificadas de estilos de vida incorporadas na sua propaganda resultando em criação de identidades dos cosumidores. O consumo passa a ser o espaço de criação de si, de invenção de subjetividades produzidas pelo marketing. O marketing não seria nada além da criação de novos espaços de consumo, da produção de consumidores.
    Dessa forma então, podemos entender o conhecimento como uma mercadoria diferente das outras. Seu consumo por sua vez é também praticado de forma distinta. Segundo Corsani,'o consumo do conhecimento não é destruidor, ou seja, o fato de utilizar cohecimentos não implica o esgotamento de sua utilidade ou degradação. Ao contrário, a utilização de um conhecimento é uma atividade criadora, pois como 'conhecimento em ação' ele evolui com o uso subjetivo que se faz dele'. Para ela ainda, 'o valor-utilidade do conhecimento se dá no interior do processo de produção e difusão/socialização dos conhecimentos', e o custo de reprodução dele é mínima[rullani 2000]. Dentro desse turbilhão inovativo [cit] o valor-utilidade fica sujeito à inovações tanto técnicas, quanto, e ainda mais, à aceitabilidade social deles[cit].
    Corsani continua argumentando que “o processo de produção não coincide mais com o processo de valorização”. Os dois mundos foram separados, e que num sistema de produção do sempre novo "a valorização não pode repousar sobre um tempo objetivo da repetição (e sobre a economia desse tempo), ela repousa sobre o tempo subjetivo (e intersubjetivo) da criação. “.(Ibid.)
    Considerando então as características acima comentadas (indivisibilidade, inapropriabilidade, incerteza), a valorização dessa mercadoria 'especial' se dá de forma diferente do que acontecia no sistema fordista de produção. Sem a principio possuir valor de troca, só valor-utilidade, o capital como já dito, irá lançar mão de instrumentos de controle e produção de escassez. Assim, contraditoriamente, ou então de forma tensa e conflituosa, o conhecimento é capaz de se transformar em mercadoria e ser vendido.



Captura de exterioridades

    Precisamos entender melhor essa relação entre produção social de conhecimento e como o capital tenta se apropria dele, mas principalmente precisamos entender essa necessidade da empresa através de seus instrumentos de exteriorizar-se e captar elementos que a principio não lhe interessavam.
    A empresa fordista procedeu sempre tentando conservar a provisão de mão-de-obra que se pudesse dispor e precisou lançar mão de dispositivos disciplinares no interior de seu 'território' tendo o Estado como co-ator nessa empreitada construindo arcabouços jurídicos específicos, como um direito específico trabalhista diferente do direito civil e do direito público(BOUTANG). O intuito foi manter uma oferta de mão-de-obra constante. O que resultou desse processo de controle disciplinar dentro do território da empresa, de separação jurídica entre os direitos trabalhista e público e civil, foi uma esquizofrenia, uma heterogeneização entre o espaço da empresa e a sociedade de uma forma geral. Ela então quis fixar e capturar a mão-de-obra e ter controle de sua provisão de forma mais eficaz, desaguando na sociedade por conseguinte de duas formas: a paternalista, “buscando garantir o controle da força de trabalho coletiva do proletariado assegurando as funções reprodutivas e controlando assim a pessoa do assalariado”; e a versão burocrática, a empresa “difundiu não somente seus produtos, mas também seu modo de organização racional e planificador, operando rapidamente uma simbiose entre Estados e a grande indústria: assim, fordismo e grandes monopólios se completam”. “Nessas condições a empresa podia fornecer e manter o valor” (BOUTANG).
    A grande mudança é que agora o valor se situa na sociedade, na cooperaçao social para a produção de saberes, os saberes implícitos, tácitos. Esse movimento de expansão além muros por parte da empresa resulta num conflito: “A empresa tira sua legitimidade, como forma de controle e de administração por excelência, da sociedade em geral e dos indivíduos convidados a se transformar em pequenos empresários e administradores do risco e da incerteza, pois ela continua a se apresentar como o lugar por excelencia onde se produz a substância do valor econômico, apesar de ser cada vez menos o caso. Chega-se assim ao seguinte paradoxo: o essencial do valor extraído pela empresa provém de uma captação de externalidades, na medida em que as confrontações na economia-mundo realizam-se essencialmente nas margens de competitividade fora de preço e que o peso dessas mesmas exernalidades torna-se cada vez mais importante em relação à produção mercantil pura, que se tornou uma ficção; contudo, a forma-mercado torna-se a única forma sob a qual  valor se apresenta como valor econômico, a única forma.”(BOUTANG).
    A troca precisa ser constante entre os 'territórios', interno e externo à empresa: esta fornece seus ativos materias ao mercado, mas precisa manter suas fronteiras porosas, para captar o máximo de externalidade possível, o máximo de conhecimento tácito possível para conseguir manter o valor.
Nesse movimento, o produto colocado em circulação perde a lineridade resumida nos elos produção/circulação/consumo. Considerando as novas formas de relação em rede, considerando também o processo da empresa se estender para fora de seus muros, com a intenção de captar intuições e valores, o ato de consumo se torna também um ato de produçao e de improvisaçao (ou até melhor, um 'improuvement', upgrade, imputação de valor). A empresa vende o que produz com a intenção de 'saber' o que seu consumidor 'acha' dele, o que aquilo significa dentro do de um processo de identificação entre mercadoria (que passa a ser vista não como mercadoria, mas como uma 'realização de vida') e consumidor. Ela quer entender a melhor forma de satisfazer essa identificação, quer captar essa produção de sentimentos advinda do consumo de seus produtos, sentimentos que estão sempre em mutação (inovando). Os produtos então estarão sempre em mutação, sempre sendo inovados com o intuito de produzirem valor.
    O que se tem é uma crise na medida do valor. Pois o capital não consegue encaixar mais suas classificações de valor, decorrente este do tempo de trabalho. O valor advindo agora  do poder inovante de um trabalho imaterial, da intensidade criativa do trabalho empregado, o capital não consegue medir de forma pragmática e controladora a quantidade de valor contida nos seus produtos. Não se consegue medir e controlar a incerteza que está contida na produção caótica e sempre mutante de conhecimentos, ou pelo menos torna-se muito difícil.
A produção desses conhecimentos se dá através de formas cooperativas de relação, através das redes de redes, através de uma malha caótica de retroação entre venda e consumo, nesse descontrole que é a produção social de conhecimentos, sempre em transformação, que se torna muita rápida e intensa com as NTICs.


Inovação

    A inovação, na indústria fordista/taylorista/marxista, se punha como uma forma de melhorar as máquinas e as formas de organização da fábrica, estratégias de layout, técnicas novas de produçao, com a intenção de se conseguir produzir o máximo no menor tempo possível (lógica de acumulação fordista). Vê-se hoje, entretanto, a inovação como criação de valor. O processo de valorizaçao de um produto se dá através da imagem construída (ou mesmo um produto totalmente novo) de que este é mais único que o anterior, de que o vendido agora contem muito mais novidade do que o vendido há pouco. O marketing vem assume essa necessidade da produção da imagem da novidade. É preciso que sempre se produza algo novo, original e único. Uma tentativa de burlar o consumistmo massificado e com os riscos da superprodução (GORZ)
O capitalismo também dispõe de outras estratégias organizacionais novas e inteligentes para tentar escapar da saturação do consumo provocada pela superprodução. As vendas seguem uma tendência de se tornarem serviços. [procurar citação em que se fala da criação de serviços ao inves de produtos materiais, acho que é no barbrook]
Com isso, longe de se tornar dispensável, a produção material torna-se como que subordinada à produção imaterial (GORZ).


Trabalho imaterial

    O trabalho nessa suposta fase do capitalismo assume uma forma bem diferente daquele controlado no chão-da-fábrica da era fordista. O trabalhador vira nessa fase o empreendedor de sua carreira, ele é por assim dizer produtor de si na produção imaterial de conhecimentos, sendo instados a todo momento a controlar a incerteza dessa produção caótica. A empresa instiga o seu assalariado a se tornar colaborador dela: "A pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela deve se tornar, como força de trabalho, um capital fixo que exige ser continuamente reproduzido, modernizado, alargado, valorizado" (GORZ)
    Gorz irá falar também do fim da fronteira entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo de lazer. O trabalhador do Capitalismo Cognitivo coloca na produção uma "mobilização total". "o que importa, no momento, é que a atividade de produção do si é uma dimensão necessária de todo trabalho imaterial, e que este tende a apelar às mesmas capacidades e às mesmas disposições pessoais que possuem as atividades livres, fora do trabalho." (GORZ)
    O que pode acontecer em decorrência disso é uma nova forma de servidão voluntária. O que ocorre com essa forma de produção imaterial é que o produto dela fica ligado ao produtor individual, ou seja, o virtuosismo implicado nessa produção se relacionará diretamente ao virtuose, e "é impossível 'sabotar' um trabalho que mobiliza nosso virtuosismo sem se expor ao desprezo de si e dos outros". Do mesmo modo, 'não se concebe como uma economia do imaterial poderia funcionar sem submeter os indivíduos a uma nova forma de servidão voluntária. A questão desde logo, é saber como não investir sua própria dignidade numa atividade indigna"(GORZ). Entretanto, segundo o autor, o trabalho imaterial consegue escapar dessa submissão, através de uma importância por parte dos trabalhadores à "atividades lúdicas, esportivas, culturais e associativas, nas quais a produção de si é a própria finalidade, uma importância que enfim ultrapassa a do trabalho." (GORZ). Quanto mais o trabalho apela aos talentos, ao virtuosismo, à capacidade de produção de si que define, aos seus próprios olhos, o valor do colaborador, mais essas capacidades tenderão a exceder sua utilização limitada numa tarefa determinada"
    O trabalho quando consegue 'se libertar' do jugo do chão-da-fábrica, cria a possibilidade da produção à margem da produção capitalista. Ou seja, a produção social de valores e conhecimentos tácitos fora da empresa capitalista abre a possibilidade de se viver da chamada 'renda de existência'(GORZ). O trabalhador que agora é auto-empreendedor, que não separa mais o tempo de produção no trabalho e o tempo de lazer, que abole essa fronteira, passa a produzir fora do ambiente da fábrica , a empresa então perdendo o controle da produção. Entretanto, pode-se fazer uma crítica a isso, pois de qualquer forma, a produção terá que passar pela empresa para ser vendida.
    Outro fator de crise para o capitalismo reside na tendência ao esvaziamento do pessoal assalariado submetido a ela. Com a crescente capacidade de organização da produção praticada pelos software que se complexificam exponencialmente, capazes de mais funções cada vez mais, o pessoal necessário reduz drasticamente no interior da empresa, e, ao mesmo tempo em quen o conhecimento permite a sempre crescente valorização dos produtos (valor-utilidade), tira-se cada vez mais o pagamento pelo trabalho imediato, gtira-se cada vez mais de circulação a moeda mediadora das trocas: "o conhecimento abre então a perspectivade uma evolução da economia em direção à economia da abundância; o que quer dizer, igualmente, em direção a uma economia em que a produçao, requerendo cada vez menos trabalho imediato, distribui cada vez menos os meios de pagamento. O valor (de troca) do produtos tende a diminuir e a causar, cedo ou tarde, a diminuição do valor monetário da riqueza total produzida, assim como a diminuição do volume dos lucros. A economia da abundância tende por si só a uma economia da gratuidade; tende a formas de produção, de cooperação de trocas e de consumo fundadas na reciprocidade e na partilha, assim como em novas moedas."



Considerações finais


    O objetivo desse trabalho é procurar entender a consistência de tais verificações e construções teóricas sobre supostas, entretanto quase evidentes, mudanças estruturais na economia. Essas mudanças realmente podem causar novas modelações políticas?  Elas podem construir estruturas mais justas de organização social? É pertinente vislumbrar mudanças estruturais?
Acredimos que as atuais formas de relação, de criação de relações, cada vez mais complexas e mais intensas, permitem pensar novos caminhos de contrução do social. Entretanto, a formulação normativa sobre tendências que se desenrolam neste momento nos obrigaria a desenvolver conclusões precipitadas e pouco consisas, e um trabalho como esse não se propõe de forma alguma esgotar a discussão em torno de assunto de tamanha complexidade, apenas apresentá-la da forma mais clara possível, trazendo as importantes contribuições feitas por pensadores de nossa época.



Referências bibliográficas

BOUTANG, Yann Moulier-. O território e as políticas de controle do trabalho no capitalismo cognitivo. Pág. 33-60. IN: Capitalismo Cognitivo: trabalho, redes e inovação, 2003. DP&A Editora 

CORSANI, A. “Elementos de uma ruptura: a hipótese do capitalismo cognitivo. Pag. 15-32. IN: Capitalismo Cognitivo: trabalho, redes e inovação, 2003. DP&A Editora 

GORZ, André. O imaterial. Conhecimento, valor e capital. Sao Paulo: Abbablume, 2005.

JOLLIVET, P. La rupture paradigmatique des NTIC e l'émergence de la figure de l'utilisateur comme innovateur. Tese de doutorado, Matisse - Paris I, 2000.

LAZZARATO, Maurizio. Trabalho e capital na produção dos conhecimentos: uma leitura através da obra de Gabriel Tarde. Pág. 61-82. IN: Capitalismo Cognitivo: trabalho, redes e inovação, 2003. DP&A Editora 

RULLANI, Enzo. Le capitalisme cognitif: du déjà vu?. Multitudes n. 2, maio de 2000, p. 87-94.